O Boi-Cavalo foi um dos últimos restaurantes que frequentei antes da pandemia pôr as nossas vidas de pernas para o ar, e também um dos primeiros a visitar quando a nossa realidade se aproximou um bocadinho daquilo que era antes. Não só revisitei este restaurante porque adorei o menu degustação pré-pandemia, mas também pelas iniciativas e reinvenção que o caracterizaram durante este período sombrio, com o conceito phoi-cavalo - baseado em sabores orientais como o pho e o frango frito - e do le brunch cavalo.
Para além disso, já havia ouvido em primeira mão, aquando da visita em Março, que o restaurante preparava um novo conceito mais em conta e menos virado para o turista, como que a adivinhar os tempos que se avizinhavam, mas sem nunca descurar a criatividade e a irreverência que tão bem caracterizam este lugar.
Pois bem, nesta fase de desconfinamento constatámos que a nova ementa seguia todas essas directrizes e quisemos dar o nosso humilde contributo para a reabilitação deste negócio conduzido pelo chef Hugo Brito, figura rock n'roll e carismática da cena gastronómica lisboeta.
Arrastei o meu irmão e cunhada para um jantar responsável na Alfama mais despida de que há memória em plena noite de Santo António.
Habituados à tradição do caracol de verão, começámos com uma escolha incontornável da nova carta, o rissol de caracóis. Dado que me é normal comer este viscoso ser sempre no mesmo formato, é algo que se estranha mas depois se entranha, já que o sabor não é imediato e só surge após o da fritura.
Ainda no registo dos pequenos mas criativos fritos, não conseguimos resistir à sugestão que não constava da ementa, que não é carne nem peixe, antes pelo contrário. O croquete de ossobuco e sapateira é onde o verde do campo e o azul do mar se fundem, um hino à inclusão. Para finalizar, um apontamento de ketchup de ananás assado.
Enquanto a famosa playlist do Boi-Cavalo, a qual podem seguir no Spotify e é garantia de entretenimento durante horas a fio, tocava e alternava entre clássicos do hip-hop e rock sempre-a-partir, os pratos na nossa mesa iam-se multiplicando. Desta vez era o Labneh - iogurte coalhado comum no médio oriente - com Kimchi e Flores de Coentro, acompanhado por finas fatias de um pão também ele daquela região.
De seguida, aterrou na mesa uma das bóias de salvação do Boi-Cavalo durante a clausura da pandemia: frango frito em polme fermentado, salada de ervas e ostras em pickle. Não comemos em versão sandes, e o frango era um frangalhão, tanto que deu para dividir justamente por quatro cabecinhas. Foi precisamente aqui que perdemos a vergonha, já que o frango virou um nada com ossos, e os nossos dedos acabaram todos lambuzados, todos os guardanapos eram poucos. Afinal também havia ostras, as quais comi por mim e por quem não as comeu.
Ficámos simplesmente deliciados com o que se seguiu. A presa de porco ibérico emaranhada em couve em manteiga dos Açores foi o pico do jantar. Desta vez o pico é uma coisa boa, já que nos dias que correm só ouvimos a palavra "pico" na mesma frase que "pandemia". A base era brioche, e esta salganhada de sabores foi capaz de me levar aos céus, o que já estando no alto de Alfama não é impossível.
Pedimos ainda uns dumplings de beringela assada com molho picante, tendo ficado aquém dos demais, o que se compreende pois já tínhamos limpado os mais interessantes da carta do dia.
Fruto da minha anterior experiência no Boi-Cavalo, as expectativas com as sobremesas eram grandes, e maior ficaram quando me apercebi que uma delas era Serradura, o meu doce favorito. Como não poderia deixar de ser, tinha o seu twist que o distancia do normal, porque o normal é aborrecido e o Boi-Cavalo é tudo menos aborrecido. A serradura tinha também um crumble de chocolate branco assado, o que nos fez pensar seriamente se o correcto teria sido pedir uma por cabeça. À falta de cabeça, assim ficámos.
Um restaurante especial e essencial que merece várias visitas em função da sua localização, da sua criatividade e irreverência, agora num formato mais acessível aos portugueses. Espectacular.
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